184 - Nancy, nevermore

Você achar

Que pode me fazer tão mal

Me ferir tanto 

Com palavras 

E símbolos 

Só mostra o quanto 

Você se vê melhor do que eu

Até mesmo nos seus momentos 

De insignificância e dor

Me ter é um hobbie que nunca quis abrir mão 

Não me entenda mal,

Eu voltei várias vezes por vontade própria 

Eu quis voltar 

Todas as vezes

Eu sinto vontades de voltar agora

Mas eu não caibo mais aí 

E nem sei se quero que você ainda caiba aqui

Já cansei de me diminuir 

De tentar olhar pra cima pra te ver

Mesmo tendo que abaixar o resto do meu corpo pra que esse ângulo funcione

Já não faz parte de mim me esquecer 

Já não me lembro de você 

Da mesma maneira 

Com tantas camadas

Tudo que foi, foi lindo

Mas não me querer tanto 

Todas as vezes

Não me querer 

E abrir mão 

E sumir

E ser desonesta 

E ferir

E não ver

Ou fingir não ver

Ou ver e fingir que não foi

Só me dá segurança 

Pro próximo passo.

183 -

Vou a lugares onde espero que você não esteja
E te procuro em todos eles

Se meus olhos não param de saltar
De um lado para o outro
É porque te procuro 

Se ouço as músicas que te mostrei
E que você agora ouve diariamente
É porque te procuro

Se beijo outras bocas
Transo com outros corpos
Sorrio com outros sorrisos
É porque te procuro

Se eu continuo me sabotando emocionalmente 
Com todas essas bobagens
É porque quero que me encontre 

182 - Olhos Entornos

O meu eu
De hoje
É amaldiçoado 

Não vague por ele

Assombrado
E abandonado
Num momento
De luto
Entendi

Foi construído em cima de um cemitério de sentimentos
De "vamos nos encontrar em outro momento"
De "quando fizermos 30 se estivermos solteiros, vamos ficar juntos"
De "não estou em um bom momento"
De "te amo mas [...]"

Não vague por ele

#181 - Sou menor com quinta

já faz anos, eu vejo

todos se vão 
           eu fico
todos morrerão
           eu vivo
tudo se há de explodir
           — Morrerás!
e permaneço, 
                                         [inteiro
porém jamais
                          intacto

nos dias que virão 
serei estátua 
enquanto um ou outro passa
faço graça e aproveito o estar

e todo esse sentido 
resumido na triste inércia 
há de fazer comigo
exatamente tudo o que
os acontecimentos passados
não fizeram

irei, 
      morrerei, 
                      implodirei
em mim 
mesmo

mas outros, muitos ou poucos 
não mais 
                 estarão.

#180 - Luto

eu costumava derreter

sempre que via seu sorriso

sempre acompanhado de um olhar de curiosidade

como se a tudo desconfiasse,

declarações ou piadas,

e principalmente

declarações bem-humoradas,

sejam elas verdade ou não

seus olhos não deixavam brechas

mas seus sorrisos

sim

seus beijos ressoavam em mim

como sinos ressoam em corações crentes

em um domingo pela manhã

carregado de bençãos e culpa

toda fonte de toque, uma brisa de primavera

eu me sentia leve como nunca antes,

parecido, talvez, mas único em maior parte

fechar os olhos enquanto sentia teu cheiro

era a minha maneira de rezar

para que aquele carnaval nunca tivesse fim

meus beijos, meus toques, minha atenção,

meus pensamentos, meus olhos

eram todos seus

e por ser de carne, osso e de gêmeos

eu te idealizei, eu acreditei,

te desejei e consumi

cada favo de ideia

cada gole de brahma

e de amor

alimentando o monstro que era

minha visão de você

e tendo sido morto e consumido

por este mesmo monstro que alimentei

resolvi ter no exílio do teu brilho

minha própria Valhalla

um lugar para me vangloriar para mim mesmo

de todas as pequenas batalhas

que travei alimentando este monstro

e sei bem que esse foi meu maior erro,

afinal, todo amor se acaba

quando se está em guerra

e luto, é tudo o que me resta

e luto é tudo o que me resta

#179 -

Tratando-se do que conheço
e de mim, e de nós
é mesmo fim,
é mesmo paz,
é mesmo pesar.

#178 - Tela Guiada

todos os dias eu vejo pintado em telas

as felicidades que poderia estar vivendo
os lugares que poderia estar visitando
os risos que poderia estar compartilhando

caso tivesse ficado
caso não tivesse sido expulso
caso tivesse me disponibilizado 

eu vejo sempre

felicidades que já achei serem minhas
lugares que chamei de meus
risos que já fiz parte

quando eu ainda estava
quando era bem vindo
quando estava disponível

eu acompanho sempre
por olhos que não são meus

por não estar feliz
por não estar em lugar algum
por não fazer parte

por nunca ter estado
por nunca ter sido bem indo
por nunca me dispôr

vejo em molduras, todos os dias,
as telas, e tudo o mais.